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Tuesday, January 27, 2009

Interiores casas, Casas de anteriores...

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Satolep deixa sempre em aberto um ir-se, uma evasão da densidade ("Estamos como o pátio, perdendo as marcas de umidade"*)...

Mas nunca consegue-se fugir de Satolep, da cidade das imagens internas, das ruas, ladrilhos, azulejos e cacos, que são, também, os restos de memórias que vamos deixando pelo caminho... mas que sempre retornam com o vento, o vento forte do Sul.

Esse vento-chama que acende o que é mais longínquo em nós. Luzes de outros junhos...

Retorno. Sentir, despir o olhar das certezas. A terra dos primeiros vestidos vista sob novos ângulos... Um outro...

"Eu quisera me confrontar com as coisas para afirmar a minha perenidade. Elas, aos poucos, afirmavam o que havia de concreto em mim".

Mas se outros concretos, a realidade geométrica do mundo, as casas externas, estes estão fadados ao tempo do desaparecimento... já as lembranças, essas casas internas, casas de anteriores, tratam de uma temporalidade outra...

"Minha mão já estava posta na mala. Meu corpo decidira voltar".

Satolep caminha junto, para onde te moves. Mesmo que tua medalha, como em Gonzaguinha, seja a lama dos sapatos que carregas.

E é por estes descaminhos que, a cada novo dia, amanheço em Satolep.

Satolep jamais passará.

Satolep jamais desaparecerá em mim.

"Eu, que saíra pelo mundo atrás de todas as coisas"... eu era sempre um outro alguém.


*todas aspas são trechos que me inspiram na leitura de Satolep, de Vitor Ramil. Ed. Cosac Naify.



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Monday, January 19, 2009

Deriva







Nossos níveis obscuros de imersão. Que sejam na doçura e na amargura, nunca no mesmo, no de sempre que nos faz iguais, no que não nos mata, mas nos entristece, a ponto de... pensar que seguimos vivendo, mesmo sem nenhum toque, aos esbarrões de tardes que só o que temos são palavras. Montes de palavras.
E é por um reflexo turvo – por uma palavra turva – que vamos, de olhos fechados, sentindo a textura dos limites de nossas peles. Até que então não saibamos mais o que é solo, o que é corpo: é no exato ponto em que nos confundimos, em que já não sabemos mais a quem pertence cada fragmento {fragmentos que nos desalinham}, só e somente a partir daí... que pode surgir qualquer caminho.


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Thursday, January 15, 2009

[CINEM]Afeto e Memória

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{aquela lua, por bigatrice}

Dos idos anos em que o vídeo cassete estava sendo extinto, e locadoras se desfaziam de seus acervos, lembro da minha tentativa redentora de “salvar” alguns filmes que pensei jamais poder ver de novo. Tenho vários em minha estante, a maioria comprei por um real, talvez mais alguma moeda, mas nada que seja mais caro do que um maço de cigarros. Era, então, uma questão existencial, quase um vício. O que valia não era o preço, mas o valor estético/poético/político/e/afetivo que dava para aquelas imagens-movimento. De alguns poucos que recolhi (tratava-se, de alguma forma de cacos), tenho ainda alguns mofos.

Do Festen, ou “Festa de família”, de Thomas Vinterberg, que eu, de tão emocionada com o achado, comprei sem nem ao menos abrir a caixinha para ver o que tinha dentro. Chegando em casa, em euforia semelhante, depois de praticamente precisar “restaurar” o filme que continha no seu interior {a fita estava cortada, e tive de abri-la e colá-la com fita durex}, coloquei o filme e não conseguia acreditar que se tratava “agora” de um trash-cult-comedian film. Pois é verdade, o que eu tinha ali no interior era um exemplar de um filme que sequer recordo o nome, só lembro que era uma história de uma mulher que, tendo tantos pretendentes, não conseguia escolher nenhum deles para se casar. Pensa que, convidando a todos para jantar consigo em uma mesma noite, conseguiria, observando-os, decidir-se finalmente... Ao que, por dificuldade, resolve não ter a nenhum, e mata a todos {o que, de algum modo, faz com que tenha a todos}... Sei o roteiro porque, de tanta raiva, vi até o final... E tenho a fita até hoje, mesmo sem saber seu nome.

Um outro que levei comigo, pois pensava nunca mais vê-lo, era The Elephant Man, “O Homem Elefante”, de David Lynch. Acho que nem nos filmes de Lars von Trier chorei tanto como em “O homem elefante”... A crueldade mascarada de ajuda, a ciência como uma outra forma de manipulação do homem sobre o homem, criando saberes, mas não modificando o interesse por trás de seus poderes, a vontade de um homem dominar outro homem... O modo como estas atitudes nos parecem tão longínquas, a ponto de as concebermos como “humanas”... É aí que percebo que Nietzsche é tão mal compreendido quando pensam que ele foi o primeiro a dizer isso. E o quanto entendê-lo também como um teórico da vontade de potência nos supõe não uma “cura”, mas um novo modo de olhar para estas questões... E o quanto isto implica numa determinada compreensão de mundo e de filosofia {e, por conseguinte, de cinema}, pois já não importa superar o outro, mas superar-se a si mesmo...

A visceralidade com que Lynch trata neste filme estas relações é, a meu ver, uma das referências presentes nas obras de cineastas como Sergio Bianchi, em tratar sobre relações semelhantes, muito embora este se utilize de uma violência mais física – porém também baseada em comportamentos culturais – como meio de dialogar sobre temas tão fortes como este...

Eis que “O Homem Elefante” está aí em dvd, mas como hoje em dia a difusão da cultura já pode se dar de graça {ou não tão de graça assim, a Claro S.A., que não me deixa mentir}, fiz o download do filme e fiquei muito contente... Por mais efêmero que seja um arquivo de computador.

Mas um que eu nunca {nunca mesmo} pensei que iria encontrar, apareceu-me outro dia. Luna Papa, de Bakhtyar Khudojnazarov. Pureza, beleza, sutileza e um pouco de fantasia. Tudo o que é sublime ronda esse filme, a partir das relações de comunicação mais estranhas que as pessoas podem ter entre si... Poucas vezes um filme me deixou tão maravilhada com o que é mais simples na vida, como a areia, a terra, ou, o “outro”: a lua...

Também foi um filme que obtive de-graça-nem-tão-de-graça, e que, agora há pouco, ao assistir novamente as primeiras cenas – de somente 3 minutos – estas põe-me a observar não apenas a geografia do Tadjiquistão, mas os modos como as geografias podem afetar-nos, a ponto de nos conduzir a certos estados de alma que outras geografias podem (e devem) respeitar, mas não serão jamais capazes de entender, isso porque entendimento passa pela pele, pela experiência... E disso alguns filósofos também já falaram... Aqui, nos Pampas (essa geografia própria do sul do Rio Grande do Sul, do Uruguai e da região leste da Argentina), o Vitor Ramil chamou de estética do frio...

Percebendo a geografia presente neste filme, as curvas do relevo, acentuadas pelos ângulos que as sinuosidades rochosas vão assumindo {ao longo do tempo}, este e outros fatores contribuem para o modo como as pessoas habitam, se movimentam, se comunicam... e até mesmo impõe o limite de até onde pode ir o seu horizonte {muito embora de cada diferente ponto que se olhe, haja um novo horizonte, como na vida}.

Penso que também pessoas podem ser sinuosas, tendendo a uma adaptação fugidia... Mas não apenas estamos fadados a uma geografia – a do nosso nascimento –, mas a escolhemos, diariamente, nos nossos valores...

O homem é de terra, e eu ainda não encontrei um horizonte que me satisfizesse mais que o Pampa. O horizonte infindo é o limite...

E é, realmente, complicado separar espaço e tempo...

Pois, quanto ao último, também a memória é bastante sinuosa... Foi justamente por conta destes três minutos de geografia-oscilante-em-filme que eu lembrei de tudo isso, e ao relembrar, de certa forma revivi. Revi e recriei o tempo em que eu, com dois reais no bolso, deixava de comprar um sorvete para ir até a loja de vídeos, para, sonhadora, poder salvar dois filmes do esquecimento.

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Acredito que com essas poucas mal-traçadas linhas eu tenha dito coisas bem minhas, do que espero por cinema, e do que espero por visualidade. Mas não .


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Monday, January 05, 2009

Recolhimento

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Numa paisagem envolta, onde o horizonte era uma pergunta, cada lágrima incontrolável exigia uma força e era sentida, cada pêlo, cada poro, cada olhar desviado. Corpo que vibra e que se acolhe em uma determinada paisagem para poder rever poro, pêlo, pele, casa. As moradas que construímos diariamente, só em busca daquele olhar que por um instante ficamos com medo de imergir.