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Tuesday, August 30, 2011

Gerar

Útero, por Beatriz rodrigues














 Ela, sempre sorridente, diríamos espavitada, estava grávida... Mãe solteira, porque a gravidez não lhe traria um "marido". Mas não por isso o filho lhe seria menos querido, desejado... Era, sim, muito esperado. Ela estava mais linda do que nunca... Conversávamos, e ela me dizia que já tinha me contado, quando eu percebia a barriguinha e me punha a perguntar... Ela dizia "- claro que sim, tu até comentaste que a próxima seria tu". E eu, ouvindo, não me reconhecia naquelas palavras, era como se ela falasse de outra pessoa. Eu dizia "- eu? não...". Enquanto ela ficava, sorridente, insistindo que sim...

Monday, April 20, 2009

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Por todos os passos que me levaram
me levam
me levarão


Monday, March 30, 2009

O duplo

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N'aquele dia dedicou um tempo mais vasto a olhar ao redor: sentou-se num dado momento em um banco frio, momento este em que geralmente almoçava sozinho e podia imergir em todas as suas mais recônditas sensações e indagações para com o mundo. Geralmente cumpria esse ritual isoladamente, assumindo um certa solidão desvalida, de quem olha para baixo, temendo o olhar alheio, e se concentra quase com medo de esquecer as atitudes mais naturalizadas do cotidiano.

Mas aquele era outro dia, e tinha inclusive outra luz esta tarde: era, ademais, não o momento de se sentir dono de uma verdade interior que se julgasse superior, mas o de se colocar aberto ao simples ato de olhar, uma despretensão para com o julgamento daquilo que vê, e uma íntima entrega ao que está ao redor, pois ali a realidade não era um 'dado', mas vários fragmentos para os quais ele poderia dar a ordenação que bem entendesse, como na construção de uma ficção que mudamos a disposição das partes, até nos perdermos na escrita. Ele se perdia no ato de olhar.

Nesta tarde, pouco mais de duas horas, pôs-se a observar as pessoas concentradas nas suas repetições, o almoço deixara de ser um ritual, era apenas um esmagar-sólido diante de tanta rapidez e convulsão. Estava inserido em um laboratório humano repleto de sentimentos e interesses díspares, muitos destes envolvidos apenas com aquilo que Descartes incitou como sendo o “EU”, este sujeito moderno desprovido da consciência da sua materialidade, consciência esta que nada mais é do que a consciência de que todo conhecimento provém da experiência, e se dá a partir do seu corpo, e dos afetos que lhe tomam os sentidos...

Na saída, depara-se com uma senhora vendedora de chocolates, uma figura que bem poderia se comparar às vendedoras de flores tão belamente reverenciadas por Chaplin em Luzes da Ribalta, e num ato impulsivo se põe a procurar uma moeda de um real perdida nos bolsos, escolhe dois bombons, um vermelho, recheio de amendoim, e um rosa, recheio de avelã. E ela lhe dá um de avelã de brinde, talvez porque troque poucas palavras e olhares com estas pessoas que hoje se alimentam basicamente de plastificados e enlatados, e ela, na sua condição de vendedora-de-chocolates-caseiros-em-porta-de-restaurante, pertença a uma profissão e a uma poesia que parece não caber mais neste mundo... E justo por isso lhe parece que um dos ensinamentos silenciosamente profundos desta senhora – alguém que talvez acabou dizendo mais do que supunha, no simples ato de enunciar o seu “- tome, é pra você” – é que o primeiro, o primeiro de todos os passos é, simplesmente, lutar contra a pressa.

Que nossa urgência seja apenas a de mudar a realidade das coisas que não nos permitem vivenciar com mais clareza, confiança, e entrega o tempo.

Eu, imerso naquela contigüidade de sombras e reflexos.

Eu, um duplo.

No dia em que imagem, palavra, vivência e memória se encontraram.

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Por que será que o Che tem este perigoso costume de seguir sempre renascendo, quanto mais o insultam, o manipulam, o atraiçoam, mais renasce, ele é o mais renascedor. Não será porque o Che dizia o que pensava, e fazia o que dizia? Não será por isso que segue sendo tão extraordinário, num mundo em que as palavras e os fatos raramente se encontram, e quando se encontram raramente se saúdam?


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Wednesday, March 11, 2009

Sobreposições imprecisas

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(Richard Peter Sen, 1945)


Se a Filosofia é, então, um conjunto de "cinzentos sobre cinzentos", os modelos explicativos do mundo que suscedem uns aos outros (filosóficos) não passam de verdades que tentam se sobrepor, sendo que a "verdade" é apenas um modo de ver o mundo, dentre tantos possíveis.
As ruínas assumem essa emergência de sobreposições de idéias, pois as que "não se deseja mais", tenta-se "apagar". Assim são as ruínas de guerra, mas também as ruínas do mais profundo do nosso cotidiano.
Apesar disso, as idéias resistem...
Mas, para se vivenciar uma experiência do pensamento, é necessário antes assumir que para se fazer Filosofia deve-se pressupor que a verdade simplesmente não existe...

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Diria, como num apêndice, que a verdade não existe - ao menos não desde o princípio -, uma vez que deve-se partir da inexistência da verdade, pois para se vivenciar a experiência do pensamento é necessário, antes de mais nada, uma abertura... E deter verdades absolutas é, sim, o modo mais eficaz de fechar-se para os deslimites do sensível e do pensamento (uma vez que toda matéria do pensamento se dá a partir da própria existência).

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Texto a partir da introdução de "Meta-história: a imaginação histórica do séc. XIX", de Hayden White. Ver: Spinoza, ética.




(pelas linhas tortas do caderno de memórias)

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(desculpa-me, mr. book)

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Wednesday, February 25, 2009

Soledad

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Soledad tenía el mismo campo en la mirada y el mismo viento en sus oídos, una llamada desde la esquina del tiempo donde lo que tenemos en la piel es la danza, las mensagenes de una composición entre el ahora y el pasado: La memoria de las transcripciones (à la diferencia y vitalidad de los tiempos).
Creando la vida con un nuevo ayer, Soledad se confunde con la niña que le visitava por todos los tempranos con la luz del sol que se avecinava, y que hoy se asume como el medio-dia de leveza y casi nada de lamentación.
Cantante de la afirmación, que seas tu que me acompañes siempre, Soledad.






*composição visual: fotografia Mariza Ferreira, sobreposições feitas por mim, quando comecei também a brincar  com as imagens.

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Tuesday, January 27, 2009

Interiores casas, Casas de anteriores...

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Satolep deixa sempre em aberto um ir-se, uma evasão da densidade ("Estamos como o pátio, perdendo as marcas de umidade"*)...

Mas nunca consegue-se fugir de Satolep, da cidade das imagens internas, das ruas, ladrilhos, azulejos e cacos, que são, também, os restos de memórias que vamos deixando pelo caminho... mas que sempre retornam com o vento, o vento forte do Sul.

Esse vento-chama que acende o que é mais longínquo em nós. Luzes de outros junhos...

Retorno. Sentir, despir o olhar das certezas. A terra dos primeiros vestidos vista sob novos ângulos... Um outro...

"Eu quisera me confrontar com as coisas para afirmar a minha perenidade. Elas, aos poucos, afirmavam o que havia de concreto em mim".

Mas se outros concretos, a realidade geométrica do mundo, as casas externas, estes estão fadados ao tempo do desaparecimento... já as lembranças, essas casas internas, casas de anteriores, tratam de uma temporalidade outra...

"Minha mão já estava posta na mala. Meu corpo decidira voltar".

Satolep caminha junto, para onde te moves. Mesmo que tua medalha, como em Gonzaguinha, seja a lama dos sapatos que carregas.

E é por estes descaminhos que, a cada novo dia, amanheço em Satolep.

Satolep jamais passará.

Satolep jamais desaparecerá em mim.

"Eu, que saíra pelo mundo atrás de todas as coisas"... eu era sempre um outro alguém.


*todas aspas são trechos que me inspiram na leitura de Satolep, de Vitor Ramil. Ed. Cosac Naify.



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