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Tuesday, May 27, 2008

Reminiscências

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Apoia-se na janela e assiste a vida passar. São movimentos frenéticos, mas observa tudo com uma serenidade de quem respeita o movimento da vida. O tempo já não é motivo de dor... Não pensa que já vivera tudo, embora no alto dos seus 72 anos muito já esteja impresso nos limiares de seu corpo: rugas e cabelos brancos, disso já havia notícia há anos. Mas ela sorri. Não faz parte da geração cosmética. E respira aliviada por isto.

Um singelo ‘olá’ àquele que passa. Pensam que ela espera, um amor, uma dor, algum instante puro e doce de afeto. “Espera não é desespero, menino”, ela pensa em dizer para o garoto que corre sem saber para onde vai.

Ela não espera. Sabe, simplesmente, respeitar o tempo. Sabe, também, que n’aquela janela onde se debruça todos os dias estão inscritas muitas memórias que talvez não tenha tempo de contar.

Por onde estarão as pessoas dispostas a ouvir?


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Thursday, May 15, 2008

Fly, little butterfly... fly...

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"Toda sensação é uma questão.
Mesmo se só o silêncio responde a ela".

(Gilles Deleuze e Félix Guattari)


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Ando fazendo mais imagens do que palavras. Enfim, inscrevo meu silêncios em minhas lacunas. Eles disseram que isto também é uma questão.
E me agrada responder
assim, tão assistematicamente,
assim, tão intersticialmente...


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Monday, May 12, 2008

Solana e as perguntas

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Para Iasmyn


O céu estava tão colorido, mas algumas nuvens o encobriam, por vezes. Naquele instante meio-mágico, meio-deserto, foi que ela, em silêncio, procurava desenhos em nuvens, e se espantava com os deslimites do horizonte. Um novo ângulo, e os olhos do bichinho que encontrara mudavam de posição.
- Será assim a vida?
Ela adorava questionar sua mãe, irmão, mesmo algum desconhecido, na confiança de que teria a resposta para todas suas dúvidas.
Mas nunca obtinha, porque, afinal, Solana, as perguntas mais simples são as mais difíceis de serem respondidas.
Solana e suas perguntas:
- Por que o coração bate?
- Por que o céu é azul?
- Por que a mexerica morreu?

É, talvez a vida seja feita da matéria dos sonhos.
Você sempre teve razão, pequena.



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Monday, May 05, 2008

A capital da dor

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Para Sandra, que tanto me disse para assistir...


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Hoje eu vou tentar uma escrita surrealista. Qual, perguntei, eu, meio displicentemente, porque pouco o ouvia. Talvez fosse falta de atenção. Qual, repeti, com um pouco mais de afinco. Aquela que a gente escreve sem se preocupar com a ordem, a gramática e a semântica. Ah, aquela que vem sem ponto, disse eu, como se entendesse. Na verdade eu não entendia, como em Alphaville**, o significado de somar. Não bastavam as composições de palavras, afinal, algumas palavras simplesmente não estavam no vocabulário que me tinham ensinado. Dar novos sentidos era meu problema naquele momento. E um problema que teria de enfrentar sozinha: “...salve estes que lamentam... de qualquer modo, é a minha viagem até o fim da noite”, pensei.

Ele continuava em meio a papéis, dizendo que sim, as pessoas haviam se tornado escravas de probabilidades. Quais números, perguntava insistentemente, mas agora ele parecia não me ouvir, talvez adentrava portas de recintos não habitados, talvez procurava a si mesmo enquanto se perdia no labirinto da solidão. Haveriam muitos talvezes. Ele me disse que eu poderia inventar palavras, e plurais também. Eu me senti mais aliviada. E ele disse, sutilmente, ‘entendo’...

Enquanto houvesse a lacuna da fronteira intransponível, por mais palavras que se utilizasse, e por mais que o vocabulário se tornasse mais específico para as realidades forjadas a cada dia, não haveria comunicação. Eu disse ‘que brilhante a tua conclusão’, mas ele tratou como se fosse ironia. Que nada. Eu estava pensando naquela parte em que tudo ficava cinza, posto que os pensamentos eram amenizados, e nós nos libertávamos para simplesmente sentir, e assim, sem palavra alguma nos comunicávamos mais do que teses de 500 páginas, porque nosso olhar nos dizia algo mutuamente, sem dor.

Se minimizar exceções é o desejo destes portos, onde o que existe é apenas o presente, o presente, e o presente como fronteira intransponível, nós dizemos em coro (eu e ele), que somos todos únicos, terrivelmente únicos, que a lógica não nos condena, porque a ultrapassamos, e isto é uma escolha, e, se for criminosa, não nos importamos em habitar a noite, ou o exílio, se querem dizer assim, porque quando eu havia perguntado a ele “você sabe o que transforma a noite em luz?”, ele me respondeu “a poesia”.

Se estamos na capital da dor, nos amamos, e basta uma carícia. Ela nos conduz à nossa infância.


* Cena de Alphaville. Este texto foi baseado neste filme.

** Alphaville, de Jean-Luc Godard, 1964. “uma vez que nós conhecemos 'um', nós acreditamos que conhecemos 'dois'
porque um mais um é igual a dois. O que nós esquecemos é que temos que saber o significado de somar...”.



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