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Friday, November 07, 2008




Já tentara fazer listas de desejos e obrigações, “101 coisas a fazer em 1001 dias”, desejos confundidos com obrigações, obrigações vestidas com uma roupagem leve de desejo. A despeito do controle que objetivava manter sobre a matéria do vivido, há o momento em que o imprevisível chega... e lhe demonstra que a previsibilidade já deixou de afetar.
“– Esteja aberta, minha filha. Você só consegue enxergar a dor... e aqui também tem muito amor”. Estas palavras soam cotidianamente. Ressoam. As palavras cortam?
Ele perguntou o que era a aparência, e naquele jogo semântico – amontoado de conceitos-mofos que perpassavam a pele – ele a fez parar, dizendo “vou tentar de outra maneira”, e deu uma aula de filosofia-e-vida tão completa em apenas 10 minutos, a partir da qual ela pensou até em kerouac, com seu “não tenho linguagem para encobrir meu embaraço”, o que a fizera chorar. Não porque tais palavras sobre aparência afirmassem a necessidade de uma verdade – até porque a verdade já fora questionada há tanto, inclusive por ele –, mas porque soavam extremamente verdadeiras... e cortavam a carne. Uma carne tão anestesiada. E que agora, finalmente, doía.
Por uma sonoridade leve (“there’s a beautiful mess inside”), transita entre alguns amontoados de lembranças, tentando recuperar o discurso. Mas lapsos são também suor, escoam. Talvez seja mais pertinente vivê-lo.
Voltando pra casa, ia então cartografando pequenos traçados da cidade, deitada na parte de trás de uma caminhonete. Olhar atento e um pouco de entrega: A carona que lhe proporcionara um pouco de vento no rosto. Os fios elétricos, que mais pareciam linhas de metrô, as árvores com flores (afinal, era primavera), a costura dos prédios no céu, quando os ruídos da cidade ficavam mais intensos. Finalmente vivenciara a frase “lo que importa no es la luz, son los 12 segundos de oscuridad”.
Despediu-se, abriu um sorriso... E caminhou em direção ao desconhecido.
O caminho era pintado com aquarela.



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